“Recentes estudos científicos provam que…” Os maus usos da expressão.

Pedro de Santi

Num período de importantes aquisições de conhecimento no campo do funcionamento cerebral, tem havido a tentação de se estabelecer um reducionismo de toda a experiência humana ao campo biológico, além de grosseiras banalizações em sua divulgação. Isto tem se imposto no imaginário social, ainda que frequentemente divulgue-se de uma biologia para lá de equivocada e fantasiada. Com o avanço de descobertas de laboratório, com o selo de científicas, não falta quem esteja operando uma tabula rasa a partir das descobertas presentes, descartando toda a história do pensamento filosófico humano, acumulado por 2.500 anos, e mesmo das Ciências Humanas, nos últimos cento e poucos anos.

Com isto, eventualmente quem estuda pesquisas recentes considera que pode prescindir do conhecimento acumulado pela cultura da humanidade, olhando para ela com pretensa superioridade. A cultura é tomada como campo de meras opiniões, dispensável de agora em diante. Resultado: o enunciado “recentes estudos científicos provam que”, frequentemente é apresentado sem indicar as fontes e seguido por conhecimento de senso comum ou requentado, sem o devido crédito à nossa tradição cultural; por vezes, por simples desconhecimento.

“Descobertas” como a de que nosso pensamento é influenciado por emoções (desejos, interesses) e não possui objetividade absoluta soam batidas e evidentes para alguém que conheça Hobbes, Nietzsche, Freud ou Habermas, entre muitos outros. Para piorar, derivam daquela descoberta a conclusão de que somos ‘irracionais’, evidenciando uma noção bem restrita de racionalidade.

Por vezes, descamba-se de vez para a banalização. Recentemente, num congresso de sobre tendências de consumo, assisti à apresentação de uma empresa que vendia “neuromarketing”, oferecendo como exemplo de sua competência um experimento complexo com equipamentos ultramodernos no qual provava que, ao assistir campanhas de tv, as mulheres reagem mais fortemente a mensagens de cunho romântico, enquanto os homens reagem mais a estímulos eróticos…

Com toda a autoridade conquistada pela metodologia científica, frequentemente suas descobertas são tomadas com a “verdade” para o senso comum. Sabemos que o campo da ciência é provisório por definição; ela implica no melhor que pudemos conhecer com segurança até um dado momento, mas justamente não se trata da verdade absoluta e sempre novos avanços de pesquisa podem transformar absolutamente algo dado num certo momento como certo.

O senso comum colocou a ciência no lugar da religião, há cerca de dois séculos. Impressiona bastante evocar estudos científicos ou projetar a imagem de um cérebro num slide; mas qualquer tipo de bobagem tem sido dita a partir daí..

Cabe à própria universidade e às instituições sérias de pesquisa situar o lugar da ciência na história da cultura humana e depurar usos e abusos da terminologia científica, para que ela não se deixe banalizar e acabar por perder a credibilidade.

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