Quando a vida parece imitar a arte

Marcos Maurício Alves da Silva

Em 21 de agosto de 2014, estreou na Argentina o filme Relatos Selvagens, dirigido por Damián Szifron e coproduzida pela Deseo S.A. (produtora do renomado diretor espanhol Pedro Almodóvar). O enorme sucesso de público na Argentina (mais de 3 milhões e meio de espectadores), na Europa e no Brasil, ajudaram à sua nomeação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2015.

A película não levou a disputa – Ida, filme polonês de Pawel Pawlikowskim, ganhou a estatueta – mas não é à toa que estava lá. Um dos melhores filmes dos últimos tempos. Narra seis histórias que mostram o quão tênue é a linha divisória entre a civilização e a barbárie. São pequenas histórias que não têm relação entre elas exceto pelo caos que as ações humanas, pensadas ou não, podem causar ao outro. Detenho-me aqui na primeira das seis histórias. Pasternak – a primeira das histórias – se passa integralmente dentro de um avião. Os personagens têm conversas corriqueiras e descobrem que, de uma maneira ou de outra, todos tiveram algum tipo de relação com Gabriel Pasternak: uma ex-namorada que o traiu com o melhor amigo, o melhor amigo, o psiquiatra que cuidava dele, a professora que o reprovou na escola, o colega de classe que fez bullying com ele na infância, um crítico de arte que o reprovou em um concurso e fez escárnio com a possibilidade de que quisesse ser músico, já que não tinha talento para tal. Esses são alguns dos personagens que descobrem pela aeromoça que o piloto do avião é Pasternak. A partir deste momento vemos o pânico dos passageiros e as tentativas de abrir a porta da cabine de voo. O avião está em queda livre e todos percebem que irão morrer. A cena termina com o avião chegando ao chão, numa bonita casa onde se chocará com um casal de velhinhos (sabemos nos créditos finais tratarem-se dos pais de Pasternak). Vingança planejada em cada detalhe. Violência, tragédia e suicídio.

Em 24 de março de 2015 um avião da Germanwings cai nos Alpes franceses. A princípio tudo indica para mais um trágico acidente aéreo. Consternação no mundo. A mídia internacional dá um imenso destaque ao acidente. Dois dias depois surgem as primeiras informações de uma das caixas-pretas. O avião parece ter sido derrubado propositalmente pelo copiloto Andreas Lubitz, alemão de 28 anos. Depois das explicações do promotor francês começamos a descobrir a vida do jovem copiloto. Soubemos de suas doenças, seus problemas de relacionamentos, sua impossibilidade de trabalhar. No entanto, é difícil encontrar explicações para um suicida que leva consigo a vida de outras 149 pessoas. Segundo uma ex-namorada ele disse, certa vez, que “Um dia vou fazer algo que vai mudar todo o sistema, todos vão saber meu nome e se lembrar”. Ao que parece ele queria deixar sua marca no mundo. Conseguiu. Queria ser reconhecido pelo que faria. Conseguiu. Queria fama. Conseguiu.

Pasternak o personagem de Relatos Selvagens derruba o avião propositalmente. Andreas Lubitz derruba o avião propositalmente. Vingança planejada em cada detalhe? Difícil saber. Violência, tragédia e suicídio? Certamente.

E a vida imitou a arte?

Por mais que queiramos estabelecer relações entre arte e realidade, fazer lucubrações a respeito do tema, pouco poderemos andar. Nunca saberemos de verdade o que se passou pela cabeça do jovem Lubitz, que será sim, lembrando por muito tempo. Já da arte temos o filme a disposição podemos vê-lo quantas vezes quisermos e podemos rever a cena por outros ângulos, com outras perspectivas. Somos assim. Tentamos encontrar explicações para uma realidade que tantas vezes parece irreal.

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