Painel ESPM-FLIP A entrevista com Mauro Munhoz

Pedro de Santi

Escrevo este texto no dia 24 de julho, quando estamos a seis dias da abertura da Flip (Festa literária internacional de Paraty). Nesta data improvável, pela grande correria com os preparativos finais, eu e um grupo de alunos da ESPM fomos recebidos na sede da Casa Azul (que organiza a Flip) em São Paulo e entrevistamos seu criador: Mauro Munhoz. Ao lado dele, trabalhando na estrutura do evento, um ex-aluno nosso, Chistopher Mathi. A conversa durou pouco mais de uma hora. Além da generosidade em nos receber, Mauro nos deu uma verdadeira aula sobre o que ele próprio denominaria ‘design’. Mas vamos com calma.

Em início deste ano, nasceu o projeto de realizar estudos de fenômenos culturais importantes, da perspectiva dos cinco cursos da ESPM (Publicidade, Administração, Design, Jornalismo, Relações internacionais). Alunos de cada curso, supervisionados por professores, proporcionariam a perspectiva de seu curso sobre o fenômeno escolhido. Não há uma pretensão totalizante, mas a de formar um painel multi-disciplinar, de modo a aplicar e relacionar nossos campos de estudo. Os alunos terão uma profunda experiência de aprendizagem e a oportunidade de perceber a especificidade e integração de sua área de estudo frente as demais.

Entre outras ideias que serão exploradas adiante, a Flip pareceu um excelente prato inicial. Trata-se de um evento cultural de grande expressão nacional e internacional, ela mobiliza uma logística impressionante e traz grande visibilidade à cidade de Paraty. Em sua décima primeira edição, ela segue em crescimento.

Uma vez que a ideia foi lançada, descobrimos que inúmeros professores eram assíduos frequentadores da festa e conseguimos através deles contatos importantes com a organização. A Flip já passeia há anos pelo imaginário da ESPM. Reunidos alguns professores e alunos de cada curso, procuramos pela Casa Azul e apresentamos nosso projeto. Lá, encotramos dois ex-alunos trabalhando: a ESPM também já habita a Flip, afinal.

Fomos muito bem recebidos por Martine Birnbaum, coordenadora das parceira e relações institucionais da Casa Azul. Surgiu então uma afinidade de propósitos: ela nos disse que outros cursos universitários os haviam procurado para fazer trabalhos ou pesquisas mais convencionais, mas que a ideia da abordagem multi-disciplinar tinha parecido mais rica e em acordo com a própria concepção da Flip. Esta observação só ficou clara com a entrevista com o Mauro. Vamos a ela.

A Flip é concebida como uma intervenção urbana, dentro de um paradigma de design. Nossa primeira pergunta foi: por quê Paraty? E a resposta do Mauro foi que a pergunta deveria ser: por quê literatura? Historicamente, a Flip faz parte de um projeto anterior de integrar a cultura local, a paisagem e a história na cidade num projeto cultural de grande alcance econômico para a cidade. Pela própria dificuldade de acesso, Paraty pôde preservar uma paisagem colonial rara e também se tornar o refúgio de pessoas fortemente ligadas à arte e cultura. Com um futuro quase marcado pelo destino de veraneio, surgiu o projeto distinto de transformá-la num polo cultural, num evento situado no período em que a cidade fica mais vazia. E aqui já reside uma informação vital: a Flip mobiliza mais a economia da cidade que o reveillon e o carnaval juntos. Este é um ponto findamental do projeto: a compreensão de que o desenvolvimento econômico não se dá em páralelo à arte, mas através dela.

Em Paraty, a Casa Azul teve uma sede no centro histórico, mas optou por se mudar para a periferia, segregada pelos muros de um aeroporto. Lá foi montada uma biblioteca que conta hoje com cerca de 17.000 títulos. As escolas públicas se envolvem com o projeto e põem em discussão a cada ano o autor homenageado. Hoje, pode-se trocar um ideia sobre Millôr Fernandes com muitas das crianças da cidade. Nos principais postos da organização do evento, estão pessoas locais. Esta organicidade indica que um projeto com estes princípios desenvolvido em outra cidade desembocaria em algo totalmente ditinto, como num festival de ciências ou música, por exemplo.

Mauro nos contou que com o sucesso da festa, ele já foi procurado por outras cidades que gostariam de sediar algo semelhante. Quando ele conta que isto levaria uns 10 anos de construção de um projeto também orgânico, as pessoas costumam se desinteressar. Os eventos costumam ser alienígenas que pousam e decolam dos lugares. A cultura da Flip é o avesso da cultura do ressort.

Tudo isto cria um ambiente muito especial na cidade inteira, que passa pelas mesas com os autores convidados, mas não depende delas e se integra a uma experiência mais geral ao se perambular por Paraty.

Alguns professores e alunos estarão na Flip e, na volta, iremos preparar uma apresentação para a ESPM. Temos o convite simpático da Casa Azul para conversarmos depois do evento, com mais calma. Tudo leva a crer que estamos iniciando uma parceria duradoura, mais que uma visita..

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