O Quarto de Jack (Dir.: Lenny Abrahamson. Canadá, Irlanda, 2015)

Eduardo Benzatti

“O quarto de Jack” é desse filmes-poesia que aparecem só de tempos em tempos. Por isso – para quem gosta de bom cinema – é recomendado ir conferir. Baseado num livro (romance homônimo escrito por Emma Donoghue, aliás, roteirista do filme), o filme remete (indiretamente) a um caso real, ocorrido na Áustria – o chamado “Caso Fritzl”.

Uma das questões que o filme aborda – não sei se a principal, depende do ponto de vista de quem assiste – é a da descoberta do “mundo real” (entre aspas mesmo, pois existe toda uma infinita discussão filosófica sobre o que é o “real”) através da visão de uma criança. Como olharíamos o “mundo real” se o conhecêssemos (pessoal e diretamente) somente após anos de confinamento? E mais, ainda: após anos vendo o mundo através da televisão e de termos aprendido que o “real” é uma construção imaginária (se é que não é mesmo!).

Jack vive num mundo muito estreito, mas não conhecendo outro o tem como suficientemente grande. Sua janela para o mundo (o mundo “sideral” como ele gosta de dizer) é a televisão. Através dela, desenhos (ou não desenhos) mostram personagens que vivem numa outra dimensão (fantasia e realidade amalgamadas). Até o dia em que Jack conhece o mundo tal como ele é. O “outro lado” (o “de fora”) do mundo em que vivia. E aí o filme toma outro rumo.

Sua mãe – que vivia enclausurada com Jack e já conhecia esse tal “mundo real” – tem sérios problemas de readaptação (dizem que muito comuns para aqueles que viveram uma situação traumática como essa que o filme narra). Os problemas de Jack são de outra ordem: entender como as coisas são e funcionam – das mais simples (atender um telefone, tomar um sorvete), as mais complexas (por que as pessoas não caem se a terra é redonda e uma parte fica de cabeça para baixo?).

Entender, experimentar, ver pela primeira vez (a cara que ele faz quando vê um cachorro real é de emocionar; assim como emociona vê-lo brincar pela primeira vez com outra criança). É esse olhar inocente e poético de uma criança que cativa o espectador desse filme sem grandes pretensões, mas que toca no fundo d’alma, pois nos mostra que “vemos, mas não olhamos” – e nem entendemos – o mundo que habitamos (esse grande “quarto” que a tv amplia).

Ao final é Jack que mostrará à sua mãe o que é necessário fazer para retirar de dentro de si o quarto-cativeiro – pois a “libertação” não pode ser só física, tem que ser psíquica e espiritual também.

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