O menino do balão pink e outros retratos da FLIP 2014  (Parte II)

Celso Cruz

6.

Ela ficou ali, na cela do fundo. Não tinha banho de sol. Saiu depois de doze dias. Viu o rosto dele na folha de registros. Achou que ele ia sair logo. Uns dias depois ficou com medo. Voltou lá e disseram que, lá, ele nunca tinha ficado. Ela falou com uns sujeitos de alta patente. Disseram que ele estava bem. Deu no jornal que uns terroristas tinham sequestrado ele de dentro de um carro da polícia. Só conseguiu atestado de óbito vinte e cinco anos depois. A história vem sendo contada. Faltam peças. Nomes.

7.

Jhumpa falava bengalês em casa, aprendeu inglês na escola e logo começou a escrever. Com o primeiro livro de contos ganhou o Pulitzer. Durante anos, aprendeu italiano. Um dia deixou de ler em inglês, foi morar em Roma, passou a redigir diários na língua de Pirandello. Num caderno de notas, aconteceu um conto. Passou a publicar numa revista. Sentia-se como se começasse de novo. Do zero. Como se, agora, escrevesse com a mão esquerda. Como se, enfim, escolhesse sua língua.

8.

A perigosa gangue de professoras de Letras, devorando fatias de mamão e enchendo a cara de café com leite, planeja a invasão. Às dez, aquele biógrafo ranzinza, um tal de Ruy. Depois, o cara lá da espionagem cyber. Na sequência, os esquemas da ditadura. Aí, pausa pro almoço. Então, café com o português conservador, ou um encontro sobre sexo, drogas e literatura lá na casa Rocco. Perderam, infelizmente, o encontro sobre a cozinha e o cuzinho experimental, que ocorreu de madrugada. Mas a revolução está em marcha. Uni-vos!

9.

Regina quer comprar o livro da Elaine, gostou do tema, “a escrita salva da morte”.

10.

Guitarra gritando. Crianças brincando. Multidão de sonâmbulos deambulando em cidades improváveis decalcadas sobre a cidade visível. A procissão de carrinhos de doces.  Michael Jackson sobre patins. Quando o sino da matriz começa a badalar as onze, Gal entra na estrofe final do Amor. O último toque do metal soa segundos antes que ela cante “e o pai seja pelo menos o universo e a mãe seja no mínimo a Terra”. Luzes dos postes duplicadas no espelho do rio. Vira-latas ganindo pras estrelas.

Comentários estão desabilitados para essa publicação