O Holocausto ignorado pelo Ocidente

Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

O século XX produziu mais teorias, avanços tecnológicos e consequente potencialização das comunicações do que qualquer outro século. Paradoxalmente, nele se deram alguns dos maiores genocídios e crimes contra a humanidade. Calcula-se que cerca de 190 milhões de pessoas morreram em guerras ao longo do XX. Na lista negra de tantas atrocidades, o Holocausto surge como a consumação maior da barbárie.

Hoje os museus da memória das vítimas nazistas estão espalhados por todo o planeta. Livros de memórias e ensaios, filmes e quadros, animações e quadrinhos procuram evitar o olvido da catástrofe. Não obstante, a segunda metade do XX presenciou crimes que, pelas proporções e requintes de crueldade, em nada foram ofuscados pela besta de Hitler.

E o pior desses crimes foi o regime do Khmer Vermelho, que dominou o Camboja entre abril de 1975 e janeiro de 1979. Fragilizado por um governo corrupto e pelas forças comunistas que avançavam do norte rumo à capital Phnom Penh, o país caiu no conto do vigário e aceitou a anunciada aliança entre o príncipe Sihanouk e o Khmer Vermelho. Mas quando este chegou à capital, a população percebeu, atônita, que os radicais comunistas não iriam colocar em prática nenhum governo moderado.

Em poucas horas, a população foi obrigada a deixar Phnom Penh, como igualmente as outras cidades do país. O Banco Central foi explodido. As transações comerciais, a propriedade e a moeda abolidas. Os homens foram separados das mulheres, as crianças dos adultos e idosos. Todos tiveram os cabelos cortados e as roupas tingidas de preto. Os líderes e burocratas do governo deposto foram executados. Os doentes foram abandonados pelas estradas. Todas as escolas, livros e filmes foram destruídos. Os profissionais liberais e intelectuais foram enviados a campos de trabalhos para serem reeducados. As pessoas foram obrigadas a adotar outro nome, as relações sexuais só eram permitidas por escolha do regime. A memória foi proibida e o único objeto permitido era uma colher.

Os comunistas do novo regime anunciaram a criação do Kampúchea Democrático (como passou a se chamar então o Camboja), que, segundo eles, seria o primeiro país verdadeiramente humano, sem classes e sem propriedade e no qual reinaria o homem pleno, satisfeito e feliz. Enfim, a união das utopias de Marx e Rousseau. E foram mais além: as línguas foram abolidas; agora só era permitido repetir os slogans do governo.

As pessoas, despidas de sua identidade, tiveram apenas duas opções: enquadrar-se no regime ou serem eliminadas. Sim, o termo era este: eliminação, e os torturadores e executores informavam (apenas em seus registros secretos, pois às famílias das vítimas jamais deram qualquer informação) que a vítima fora “destruída”. Em quatro anos de governo, o Khmer Vermelho eliminou (em geral a golpes de picareta e enxadas, pois balas eram caras e as vítimas não as mereciam) 2 milhões de uma população de 7,7 milhões de cambojanos.

Esse Holocausto foi praticamente ignorado pelo mundo ocidental. O desgaste dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã e as aproximações entre os governos de Carter e Mao Tsé-Tung fizeram com que os americanos, a ONU e as nações ditas democráticas e civilizadas do Ocidente fechassem os olhos para essa tragédia acontecida nos confins dos arrozais de uma ex-colônia francesa no Sudeste Asiático.

Rithy Panh, diretor de cinema cambojano, é o único sobrevivente de uma das famílias vítimas desse regime sanguinário. A IMAGEM QUE FALTA é o filme sobre essa barbárie. O maior filme político de todos os tempos e que está em cartaz apenas no ITAÚ FREI CANECA. O filme concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Teria que dar uma grande zebra para levar a estatueta, pois jamais em toda a história da Academia um filme como esse, de tamanha radicalidade (no conteúdo e na forma) foi premiado.

Para ler outros textos do Prof. Veronese, acesse blog CPV (link Dicas Culturais do Verô).

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