Legado, mas não de cimento e aço

Por Clarisse Setyon

Em tempos de internet, é absolutamente impossível lermos tudo que se escreve de inteligente e útil por aí. São quilos de revistas, pilhas de jornais além de telas e telas (e muuuuitas horas na internet). Simplesmente não dá.

O que acaba acontecendo, tenho certeza, é que há muita gente escrevendo coisas que já foram escritas (de qualquer modo, como diz a grande Profa. Baccega, não há discurso adâmico). Paciência … quem sabe com esta produção repetitiva, os leitores acabam tropeçando em algo bom, que acreditam, vale a pena ser lido.

Tudo que consegui ler até o momento sobre o tal do “legado” da Copa, está relacionado a arenas esportivas, transporte público, estradas, aeroportos, rede hoteleira ou segurança. Li, li e li.

Não fiquei feliz. Fui ao dicionário buscar o significado da palavra legado. Divido com vocês o que encontrei:

le.ga.do1
sm
(lat legatu) 1 Disposição, a título gracioso, por via da qual uma pessoa confia a outra, em testamento, um determinado benefício, de natureza patrimonial; doação “causa-mortis”. 2 Parte da herança deixada pelo testador a quem não seja herdeiro por disposição testamentária nem fideicomissário. 3 Na Roma antiga, comandante de uma legião. L. cultural: língua, costumes e tradições, que passam de uma a outra geração. (Fone: Dicionário Aurélio).

Não tinha a menor ideia que até Roma antiga estava envolvida nesta história. Aprendi. O dicionário continua ensinando. Sempre.

Mas me apeguei mesmo foi ao tal de legado cultural. Por que será que se fala tão pouco nele ? Tenho um palpite … deve ser por que é algo subjetivo, abstrato, que não dá para pegar na mão. Pegar uma Arena, ou melhor, o orçamento de uma Arena na mão, é mais fácil.

O legado cultural também poderia ser chamado de legado social ? E se extrapolarmos estes conceitos para educação, cultura, cultura esportiva, o que teríamos em mãos que nos permitisse almejar algo ?

Tive a possibilidade de participar de uma reunião em Londres, em julho deste ano, sobre o legado social dos Jogos de Londres de 2012. A discussão dos apresentadores (atletas, ex atletas, executivos do esporte, acadêmicos) girou em torno da frustração. Frustração porque um dos objetivos do governo inglês era de que, ao redor de 10 % da população ociosa inglesa começaria a praticar esportes a partir do momento em que o país foi eleito como sede da Olimpíada. Em pesquisa realizada um ano após os jogos, apenas 3 % da população se transformou em esportistas. Por outro lado, 1,5 % da população que praticava esportes, abandonou a prática.

Saldo = 1,5 % de novos adeptos ao esporte apenas.

Frustante ? Talvez para aqueles que esperam resultados em curto prazo. Se deixarmos a miopia de lado, se fizermos uma pesquisa no próximo ano, outra em 2015, outra em 2016, quem sabe este número não aumentará ? O parque olímpico de Londres ainda não foi aberto ao público. O que acontecerá quando ele abrir ? Os números poderão surpreender. As metas poderão ser ultrapassadas inclusive.

Mas e os Jogos de 2016 ? Alguém falou em legado social ? Em objetivos sociais ? Alguém falou em objetivos culturais ? Que tal pensarmos em ter, por exemplo, 5 % da população do Rio de Janeiro falando inglês ? Que tal termos metas sérias para atletas de base ? Que tal não precisarmos nos preocupar em multar quem joga lixo no chão ? (A China desenvolveu um programa cultural durante os Jogos de 2010 para que a população não cuspisse no chão. Funcionou !).

Seria ótimo ! Porém, não podemos esquecer. Se não começarmos a trabalhar para isto hoje (ou ontem…), se não estabelecermos metas, se não tivermos critérios para verificar se estamos no caminho certo, voltaremos a falar que o legado se limita a mais quartos de hotel, ou uma nova placa de sinalização na Avenida Atlântica. Será uma pena. Mais uma oportunidade desperdiçada.

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