Julieta (Dir.: Pedro Almodóvar, Espanha, 2016)

Eduardo Benzatti

O diretor Pedro Almodóvar parece ter abandonado de vez a sua ironia e o seu “humor negro” – típico dos espanhóis -, para se concentrar em aspectos mais dramáticos de suas histórias. Ou seja, nesse “Julieta” (2016) há pouco ou nenhum espaço para o riso.

Julieta (Emma Suárez/Adriana Ugarte) – a “personagem-título” –, é uma mulher de meia idade melancólica que sofre por ter sido abandonada pela filha Antía (Blanca Parés) há mais de uma década. Atormentada por esse fato decide escrever uma “carta” a filha relatando desde o momento em que conheceu o pai de Antía – os kitsch anos 80 com todas as suas “cores de Almodóvar” – até os meses que se sucederam a trágica morte do esposo (Xoan – interpretado por Daniel Grao) e o “desaparecimento” da filha. A “carta” serve como fio condutor de uma narrativa em “flash back”.

O que se coloca desde o início é a questão da culpa. Julieta se culpa pelo afastamento da filha, que por sua vez, culpa a si mesma, a uma amiga da mãe e a própria mãe pela morte do pai, que por sua vez, morreu por se sentir culpado pelas acusações de ciúme de Julieta (ao desafiar as forças da natureza que não controla, Xoan parece procurar a punição no mundo externo – um dos mecanismos de tentativa de amenizar o sentimento de culpa, segundo a teoria freudiana). A narrativa, ao girar nesse eixo, parece nos dizer que é a culpa que nos move (ou nos paralisa) perante ao mundo. (Há outras “culpas” e “culpados” no filme: o homem do trem, o pai de Julieta, o namorado de Julieta, mas fico só nesse triângulo edipiano: pai, filha, mãe.).

Como a culpa é um “presente de Deus” (ou dos Deuses) para o homem – e como Julieta é professora de filosofia clássica – as referências aos fatos, personagens e escritores da literatura e da filosofia abundam na trama: os nomes dos personagens são (ou remetem a nomes) míticos (Ava – que ironicamente, “cria os homens” –, Beatriz, Xoan, Julieta, Antía); histórias são lembradas e contadas (Odisseu/Ulisses/mediterrâneo/pesca), cartazes lembram os nomes de Deuses do Olimpo.

É Almodóvar em grande estilo sempre prescutando a “alma feminina”. Ainda existe a “alma feminina”, né?

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