Fui dormir com “Beasts of no Nation” e acordei com “Crianças sem fronteira”

“Beasts of no Nation” é um filme produzido e recentemente lançado pelo Netflix. Ele representa o universo atual de guerra na África: forte como um soco na cara, ele é quase didático em mostrar como crianças são aliciadas por milícias, nas quais buscam acolhimento e proteção depois de terem perdido suas famílias. Mas rapidamente descobrem que a única forma de fugir da luta é morrer.

Já “Crianças sem fronteira” foi o nome da ação desenvolvida no último domingo pela ESPM Social, com a parceria do C.A., D.A., e uma participação especial da Bateria. Foram convidadas famílias de refugiados da Síria, Congo e Angola, com suas crianças. Foi um dia das crianças um pouco atrasado, mas oportuno.

Os dois títulos tem uma estrutura parecida, mas tem sentidos opostos. “Beasts” se contrapõe a “crianças”; “no nation” remete ao desamparo num ambiente de falência da ordem social, “sem fronteiras”, pelo contrário, remete a uma perspectiva global de acolhimento. E eles são faces da mesma moeda: da situação de guerra e miséria que impõe a fuga e busca por refúgio ao acolhimento por uma terra estrangeira, com os desafios de integração e estranhamento. Do desespero e risco real de vida na própria casa à esperança de uma vida nova num país desconhecido. Como tantos de nossos antepassados, aliás.

No sábado à noite, resolvi aceitar a indicação do filme pelo amigo Celso Cruz. Já advertido sobre o teor do filme, esperei a família dormir e acompanhei as duas horas e pouco de filme com o desconforto de estar tendo contato com uma realidade disseminada e terrível. A banalidade da morte e todo tipo de violência. Tudo começa com crianças tentando vender a carcaça de uma TV. Através dela, apresentam um “reality show”, um “filme 3D”. E assim somos convocados como expectadores. Esta experiência só é que rompida pelo fato do filme ser falado em inglês e pela trilha sonora impor uma dramaticidade um pouco forçada. As imagens são cruas, mas a música evoca uma trilha sonora do Vangelis dos anos 80. Este descompasso pelo menos ajuda a não ficar colados naquele plano de experiência angustiante. Enfim, é um filme forte que joga com a fronteira entre o interesse humanitário e certo voyeurismo ante situações extremas, como em “Narcos”.

Para o “Crianças sem fronteira”, já na manhã de domingo, fiz questão de levar minha mulher e filhas. Foi uma festa bonita na ESPM, com música, gincanas. Os alunos proporcionaram um dia das crianças para famílias refugiadas.

A cena do dia para mim foi a entrada da Bateria da ESPM na quadra, onde já estavam as famílias. Um grupo de estudantes universitários brasileiros tocavam percussão para africanos, mostrando a “graça da mistura”. Depois de um tempo assistindo, algumas mulheres visitantes assumiram atabaques disponíveis; no ritmo, mas com um suingue diferente de cintura.

Difícil saber para quem a ação foi mais humanitária: para os visitantes ou para nossos alunos. Mas todo mundo saiu ganhando com o encontro.

Foi daqueles dias de ter orgulho de nossa escola e nossos alunos. Que bom que esta escola de marketing e negócios tem a inteligência de não ser apenas técnica, atendendo ao Mercado ou à Plataforma Lattes, mas há espaço para se posicionar como formadora de cidadãos.

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