Eu não sou gamer: uma hipótese baseada nos resultados da pesquisa Game Brasil 2016

Mauro Berimbau

Quando montávamos o questionário da pesquisa Game Brasil 2016, decidimos colocar uma pergunta simples, mas muito significativa: você se considera um gamer?

A pergunta é importante quando comparada com os outros dados. No processo, descobrimos que:

  • • grande parte do público jogador é classe B e C (65% aprox);
  • • com forte pertencimento das mulheres (52,6%) por conta dos jogos de smartphones;
  • • a maioria tem de 25 a 34 anos

Com base em pesquisas secundárias (veja os sites Cetic.br, VGChartz e SteamSpy) também sabemos que temos algo em torno de 60 milhões de jogadores no Brasil apenas nos Smartphones, que é a principal plataforma de acesso, e que a maioria desses usuários costumam acessar seus jogos em trânsito (ônibus, metrô, carro etc.) e em outros momentos de tédio e espera.

Em suma, a ideia que o jogador de games é um “jovem gordinho nerd” é ultrapassada, se é que foi verdadeira em algum momento. Não se trata de um hábito de um nicho, ou de um grupo de jovens socialmente isolados e sem saúde, como o estereótipo monta. Trata-se de um hábito de consumo popular, e mercadologicamente em ascensão.

gráfico

Na pesquisa Game Brasil 2016 fizemos uma pergunta simples, mas muito significativa. A resposta é que muitos dos jogadores não se consideram parte da “cultura do jogador”.

Hardcore VS Casual
Jesper Juul em seu livro “A Casual Revolution” apresenta o estereótipo que temos do verdadeiro jogador de videogames, o jogador hardcore, “gordinho nerd”, gamer: “There is an identifiable stereotype of a hardcore player who has a preference for science fiction, zombies, and fantasy fictions, has played a large number of video games, will invest large amounts of time and resources toward playing video games, and enjoys difficult games” (Existe um estereótipo identificável sobre um jogador hardcore, que demonstra uma preferência por ficção científica, zumbis e ficções de fantasia, já jogou uma grande quantidade de jogos digitais, investiu muito tempo e recursos jogando jogos e gosta de jogos difíceis – tradução livre minha. JUUL, A Casual Revolution, p. 8). Em comparação, o jogador casual tem o estereótipo oposto: gosta de fantasias positivas e agradáveis, tem pouco tempo para jogar e gosta de experiências fáceis.

A proposta da pesquisa de Juul era comparar os estereótipos com os dados de pesquisa, para saber até que ponto essa imagem condizia com a realidade. O seu resultado mostrou que os ditos “jogadores casuais” conhecem muitos jogos diferentes, algumas vezes mais do que os hardcore, pois os casuais baixavam muitos jogos diferentes em seus Smartphones e, por isso, tinham um repertório maior de experiências lúdicas. Ao mesmo tempo, o casual pode chegar a jogar mais tempo ao longo da semana do que um hardcore. Espalhado pela semana em rápidas partidas de poucos minutos durante o deslocamento pela cidade, parado na fila do banco ou na sala de espera do médico, a experiência pode chegar a somar muitas horas.

O que Juul quer apontar é que a visão que tínhamos do jogador de games mudou. Como todo tipo de consumo, pode ser organizado entre níveis de consumo diferentes (mais dedicação, mais conhecimento etc., o que implica em um heavy user, medium user e um light user), mas isto não altera o fato de que a nossa sociedade, de modo geral, tem considerado os jogos como uma forma possível de entretenimento, não sendo mais representando apenas um nicho de mercado ou o gosto particular de uma sub-cultura urbana.

É a partir disto que traço uma nova hipótese: negar a afirmação “eu sou um gamer” revela que grande parte dos atuais jogadores não se identificam mais com esse estereótipo do jogador extremo. Não somos gamers. Somos o que somos. Entre nossos hábitos de consumo temos filmes, séries, música e, frequentemente, jogos digitais e analógicos. Trata-se de uma mídia, fonte de entretenimento, como tantas outras.

O que é ser gamer?
Portanto, afirmar que “eu sou gamer” talvez tenha menos relação com o quanto alguém entende de jogos ou se dedica à jogá-los, mas o quanto o território simbólico dos jogos, especialmente dos digitais, ajuda a expressar quem sou eu. Na composição do discurso sobre o que nos identifica, os símbolos característicos do território lúdico digital (como logotipos de empresas, personagens, ícones pixelizados etc.) e até mesmo as palavras usadas pelo grupo (gráficos, engine, bits, shooter, FPS entre outras) são utilizados como estratégias de expressão e identificação, aparecendo no cotidiano ou materializadas em mercadorias como camisetas, enfeites, pulseiras, tatuagens etc.. Como uma comunidade gamer, esses símbolos servem como material de identificação, formatando uma comunidade fechada, pouco convidativa para o estrangeiro. A suposição, portanto, é que “ser gamer” é uma estratégia discursiva, que ajuda a contar quem sou eu e evidenciar o quanto que esses símbolos do consumo e do entretenimento  – e não tem relação direta com o consumo de jogos em quantidade ou tempo de dedicação.

Comentários estão desabilitados para essa publicação