De amor e de trevas: o amor e a depressão da mãe como enigma

Pedro de Santi

Está em cartaz um belo filme chamado “De amor e de trevas”. Ele é baseado num livro de Amós Oz, o mesmo de “Como curar um fanático” (2015), sobre o qual escrevi nesta coluna há poucos meses. Abaixo, comentários e spoilers.

O filme é rico em muitas camadas. Numa delas, acompanhamos através do olhar de um menino a criação do Estado de Israel, entre 1945 e 47. Vemos Jerusalem de então, ouvimos a sonoridade do hebraico- o que não é comum em nossas cinemas- e acompanhamos sua etimologia, uma vez que seu pai sempre toma palavras e as analisa, mostra sua raiz e parentesco com outras. Percebe-se inúmeros rituais e costumes daquela cultura. Acompanhamos também a grande festa que se seguiu ao reconhecimento do Estado pela Onu: assim como à reação violenta que se seguiu. Tudo isto já vale o filme.

Mas em outra camada, em tudo tangente à primeira, assistimos ao menino tomado pelos enigmas que emanam da mãe. Em primeiro lugar: para onde ela vai quando some? De que e para onde ela foge? Mas então, em sua percepção infantil, ele observa certo paradoxo: ele associa o momento de relativa estabilidade política ao início de um Estado e a depressão da mãe. Ela passa a se recolher, sofrer de dores e insônias insolúveis. E começa a se afastar do pai. A direção do filme é muito bonita ao retratar uma circulação entre as camas: ora a mãe sai de sua cama e vai ficar com o menino, ora o menino vai para a cama dos pais, onde só encontra um deles.

E esta mesma mãe que sofre e se alheia, parece cada vez mais apaixonada pelo filho. Ela o envolve em carinhos e o olha fixamente como que a procurar deter a passagem do tempo e a iminência de perdas.

A partir daí, a tragédia comum dos desencontros familiares. E então, a tragédia menos comum da morte da mãe, quando o menino tinha 12 anos. Nem todo o amor do filho e ao filho, nem todo o poder poético e racional das palavras do pai conseguem resgatá-la. Dor e enigma. E a história do autor passa a parecer a tentativa de reagir e responder poeticamente àquele trauma.

A atriz israelense Nathalie Portman atua e dirige o filme. É sua estréia na direção de longas, numa careira que vem de sua infância (como no ótimo “O profissional”, de Luc Besson, que estrelou aos 12 anos, em 1994) e culminou há poucos anos com o Oscar de melhor pelo filme por “Cisne Negro” (Darren Aronofsky, 2010). Apesar de ter lido críticas bastante negativas, gostei bastante do modo poético das imagens e falas, nas quais há passagens literais do livro de Oz.

Do livro original, ela mantem o clima e a poesia, mas se foca na relação do menino com a mãe, interpretada por ela.

Consciente de sua beleza e expressividade, Nathalie Portman faz seu rosto onipresente aos olhos do expectador e do filho apaixonado e perturbado por sua presença e ausência.

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