Da série: Princípios da Criação

30 – Censurado.

Heraldo Bighetti Gonçalves

Coisas interessantes aconteciam naqueles anos setenta e também oitenta. Existia aquilo que hoje conhecemos por “politicamente correto”, só que era exercido por censores do Departamento de Polícia Federal instituídos pelo governo militar. Todo programa de TV, novela ou filme deveria apresentar antes do início o certificado de censura. Muita gente deve lembrar da onipresente Solange Maria Teixeira Hernandes que assinou muitos deles.

Os meios de comunicação tinham todo o conteúdo gerado investigado para identificar que tipo de mensagem estava sendo “realmente” passada para o pobre e inocente público brasileiro. A publicidade também sofreu com os desmandos desvairados desse pessoal.

Roberto Duialibi em várias entrevistas cita casos hilários acontecidos com a DPZ. Um tal de professor Potiguara censurou um anúncio de Jontex por constar no texto a palavra gonorreia. Algo impensável para ele deixar que sua filha lesse tal palavra impressa no jornal.

Ou então o comercial do Peru Sadia. O tal censor acreditava que a palavra peru estava sendo usada com duplo sentido, pois uma antiga gíria significava ser peru o órgão genital masculino. Duailibi retrucou dizendo que ficaria estranho chamar o produto de Meleagris Gallopavo Sadia (certamente ficou claro que ele usou o nome científico do robusto galináceo).

Hoje, a prática continua meio disfarçada, sendo feita por associações não governamentais que teimam em dizer o que é certo ou errado e impor sua opinião à opinião pública.

Se você está pensando que isso só poderia acontecer num país como o Brasil, engana-se. O país campeão da defesa da liberdade de expressão tinha, e tem, associações que censuram tudo. Até a tal da publicidade.

Jerry Della Femina, importante criador publicitário norte-americano, reservou um capítulo inteiro de seu livro Mad Men para contar seus casos com a censura. Nos EUA, a publicidade antes de ser veiculada deve passar pelo crivo da NAB – National Association of Broadcasters.

Um caso que lembra muito aquele que aconteceu com Duialibi foi o lançamento do desodorante íntimo Feminique em 1969. Jerry sofreu nas mãos da representante do NAB para conseguir aprovar o comercial e os textos da campanha.

A senhorita Cheng, nome da interlocutora de Jerry, argumentava que no comercial existia uma frase que o “perfume de limpeza e frescor que você não consegue com um banho de chuveiro, nem de banheira” significava que “você ainda fede” depois de um banho de chuveiro ou banheira.

E Jerry também enfrentou a censura de um veículo, o editor da revista McCall’s não aceitaria a publicação do anúncio pois, entre outras frases, não concordava com a que dizia que ao tomar banho a mulher cuida da parte mais importante de sua pessoa. Ele achava que existiam coisas mais importantes, como por exemplo: o coração.

Jerry retrucou que quando ia para a cama com uma mulher, não procurava particularmente o coração.

Sempre é bom lembrar, utilizando aqui uma frase de Jerry: “A história continua e é uma batalha interminável. Quanto mais poder os censores têm, tanto mais teremos que lutar contra eles.

Para aqueles que criam, fica também a dica de que ao criar não se deve em nenhum momento pensar se aquilo que está sendo feito será censurado ou não. Deve-se sempre criar e só, posteriormente com a peça feita, analisar e deixar que analisem se ela será viável ou não.

Ao contrário, a geração dos anos 1970 nos EUA eram legítimos representantes dos inconformados e contra o sistema. A turma que levou em frente a liberdade de criação proclamada pela lendária DDB nos anos 1960.

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