Arquétipos

Por Gianpaolo Dorigo, Professor do Anglo Vestibulares

É fácil perceber a competência na prática do trabalho manual, simplesmente observando seus resultados. Gostaria de pensar também em competência na realização do trabalho intelectual, que supostamente é minha área central de atuação. Nessa área, o trabalho necessário à redação do texto consistente, à apresentação da tese original ou simplesmente à prática do pensamento rigoroso é tarefa tremendamente árdua.

Observo que na área intelectual há uma curiosa tendência nos atos daqueles que evitam ou são incapazes de realizar o trabalho árduo, e essa tendência é disfarçado ao se incorporar traços de comportamento que, para o senso comum, identificam o intelectual de fato. É o que eu chamo de cultura do arquétipo, e cito alguns exemplos imediatos.

Nas ciências Exatas, a figura do cientista desligado ou de comportamento extravagante tornou-se arquetípica – muitas anedotas e a famosa foto de Einstein estendendo a língua ajudaram a criar o arquétipo. Assim, muitos jovens físicos e matemáticos compensam a falta de brilhantismo de seus trabalhos assumindo comportamentos pouco convencionais, como iniciar o estudo de línguas exóticas ou aprender a tocar instrumentos pouco comuns ou simplesmente sendo estranhos (e um personagem arquetípico dessa estranheza foi construído pela cultura pop e batizado “Sheldon”).

Nas Ciências Biológicas, ao que me parece, o arquétipo do brilhantismo passa pelo ateísmo. Transmite aquela imagem de cientista que entendeu efetivamente o evolucionismo e, com dificuldades em suas pesquisas acadêmicas, busca a aura de herói da ciência ao combater o obscurantismo religioso.

Porém, detenho-me nas ciências Humanas, área na qual o arquétipo da seriedade intelectual ou brilhantismo é nada menos que a melancolia. Para muitos nessa área, é necessário ser melancólico para ter aceitação. A origem me parece estar em Walter Benjamin cuja obra é toda perpassada pelo  conceito de melancolia, vista pelo filósofo alemão como estado de espírito característico do sujeito moderno. Uma vez que a modernidade é caracterizada pelo transitório, pelo fugidio e passageiro, a sensação de perda – fundamento do sentimento melancólico – passa a ser uma constante.

É muito fácil se deixar levar pela beleza dos textos de Benjamin, que muitas vezes acabam ocultando sua complexidade. Belas citações do pensador alemão fazem a alegria de jovens estudantes de ciências humanas, nem sempre atentos às filigranas de seu pensamento. Além de conceituar a melancolia, Benjamin foi efetivamente um melancólico, e seus bravos seguidores acabam incorporando apenas esse arquétipo: ser melancólico é ser benjaminiano, é estar por dentro. É ter credibilidade.

Comentários estão desabilitados para essa publicação