Aqui, há 25 anos, quando caiu o Muro de Berlim

Pedro de Santi

Numa provocação simpática no Facebook (que voltou a ser simpático e descompromissado) um amigo perguntou: onde você estava quando caiu o Muro de Berlin?

Busquei meu arquivo de memória  pessoal impreciso e encontrei coisas como a lembrança de estar então em meu primeiro ano como professor da ESPM, ainda na Rua Rui Barbosa, estar cursando a Especialização em Fundamentos Filosóficos da Psicologia e da Psicanálise na Unicamp (com professores geniais como Bento Prado Jr. E Luis Roberto Monzani). Eu ainda morava com meus pais, já era tio e por aí afora.

E me lembrei de uma amiga que morava em Berlin e, um dia, saiu de casa ao ouvir uma música muito alta: era um show do Pink Floyd, onde antes estava o muro.

Mas, puxando a memória uma escala acima do mais pessoal, nesta data estávamos às vésperas do primeiro turno para as eleições para presidente, que ocorreu no dia 15 de novembro daquele ano. Vivíamos há cinco anos sob o tenebroso governo Sarney, o último presidente eleito indiretamente- aliás, como vice de Tancredo Neves, que morreu antes da posse.

Para a primeira eleição direta desde o golpe de 64, tínhamos um time de peso a concorrer: Lula, Ulisses Guimarães, Leonel Brizola, Mario Covas, Paulo Maluf, Roberto Freire, Aureliano Chaves, Guilherme Afif, um lunático chamado Eneas e um malfadado novato carismático e sem partido; um certo Fernando Collor, que liderou o primeiro turno  e acabou eleito por pouco, contra Lula no segundo. Para quem hoje se escandaliza com a revista Veja, recomendo o célebre documentário “Além do cidadão Kane”, sobre o papel da Globo na ditadura e na eleição de 89.

Em outras palavras, além da linha rompida com consequências mundiais- a queda do muro anunciava a derrocada do projeto comunista no leste europeu e anunciava a vitoriosa globalização desde o ocidente- tivemos aqui em casa nossa própria linha histórica rompida.

Apesar do resultado ter se mostrado pífio, com a eleição de Collor, foi possível inclusive operar sem ruptura institucional o impeachment do mesmo, três anos depois. Ele se mostrou um reles ladrão de galinhas prepotente e se mantém na política até hoje, como coronel de Alagoas e aliado do governo federal.

No governo Collor, nós também ingressamos na irresistível globalização. Voltando a um plano de memória mais próxima, lembro-me de ter votado no Covas no primeiro turno (ele ficou em quarto lugar, atrás de Brizola) e em Lula no segundo, junto com boa parte da escola.  Lembro-me do clima delirante que envolveu o segundo turno, que aconteceu em 17 de dezembro. Com a possibilidade de vitória de Lula, assistimos a verdadeiros surtos em pessoas normalmente razoáveis. Dizia-se que a chegada do PT ao poder transformaria o país em Cuba; que o povo, ressentido por uma vida de opressão tiraria a forra contra os antigos dominadores; quem tivesse três quartos em casa, teria uma família pobre morando lá; quem tivesse dois carros, teria que dar um para o povo, etc. Do outro lado, alguns amigos que se decepcionaram com a derrota do PT desistiram do país e foram morar fora…

Ontem como hoje, a classe média vive numa lógica de sobrevivência, apavorada em perder o pouco que conseguiu conquistar e votando em quem quer que  represente a estabilidade. Ontem como hoje, temos a tática governista de reter medidas necessárias mas impopulares para depois da eleição. Ontem como hoje, gente achando a sério que haja uma ameaça comunista e com saudade da ditadura militar. Ontem como hoje, a mídia se posicionando sob uma fachada de “informação”.

Ontem como hoje, o mundo não vai acabar e a gente vai tendo que arranjar um jeitinho prá viver, como na “Procissão” do Gilberto Gil.

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