A Grécia na boca do mundo

Por Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

No primeiro fim de semana da 37a. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a Grécia está na boca de todo mundo. Embora seja possível compor várias programações temáticas entre os 350 filmes oferecidos, o público está insistindo no repertório grego, que comparece com uma dezena de títulos.

A crise atual é o grande tema. No filme COMISSÁRIO, do finlandês Pekka Lehto (não presente nessa Mostra), o filósofo esloveno Slavoj Zizek, comentando a situação econômica atual da Grécia, recorre à clássica distinção entre tragédia e comédia. A primeira encena a vida de personagens da cena pública e deve provocar os sentimentos de terror e piedade no público, que, ao se reconhecer no herói trágico, realiza a catarse e, assim, retira os excessos do próprio corpo. Ou seja, o cidadão comum imagina-se, por meio do herói, onde ele chegaria, na vida real, se ousasse chegar aos limites de suas próprias experiências.

A farsa, por sua vez, é a representação de situações vividas por pessoas comuns. E acontece, segundo Zizek, quando os acontecimentos trágicos não chocam mais. Na Grécia de 2013 a classe dirigente, cumprindo as tarefas impostas pela cartilha neoliberal, protagoniza uma farsa, não obstante esteja completamente consciente de sua encenação. O povo, por outro lado, está fazendo o papel de ator e público da tragédia.

Os filmes gregos que estão sendo exibidos na Mostra são uma atualização desses dois gêneros. Em O GAROTO QUE COME ALPISTE, de Ektoras Lygizos, acompanhamos um rapaz (o título é meio inadequado) que, despojado de tudo, se vê na experiência-limite de usurpar o alimento de seu pássaro, pois as únicas coisas que lhe restaram foram a fome e a ave. Em A FILHA, de Thanos Anas Topoulos, uma adolescente sequestra o filho do sócio do pai, após este ter fugido de casa por não conseguir saldar suas dívidas. A menina tortura a criança, ameaçando cortar-lhe os dedos e fatiá-la numa serra elétrica.

Em TEMPOS DE LOBO, de Aran Hughes e Chistina Koutsospyrou, acompanhamos a difícil sobrevivência de duas famílias de pastores em meio às turbulências de uma tempestade. TODOS OS GATOS SÃO BRILHANTES, de Constantina Voulgaris, problematiza a luta de uma artista plástica e ativista política. Seu namorado é um anarquista preso ao participar de uma manifestação. Levado a julgamento, declara categórico aos seus juízes: “Vocês estão a serviço dos empresários e dos políticos. Quantos estão presos pelo que fizeram? Nenhum. Luto por justiça e por trabalho. E por isso nada espero de vocês”.

A Grécia grita. Com altivez. Esses filmes são o grito das vítimas, porém com dignidade. Em todos eles, os recursos são mínimos. Poucos atores, poucos cenários, poucas falas. E uma ou outra metáfora poderosa. Atentem para a metáfora das torres em TEMPOS DE LOBO, das árvores em A FILHA, da música em TODOS OS GATOS SÃO BRILHANTES, e do pássaro e dos objetos quebrados no plano final de O GAROTO QUE COME ALPISTE.

Outros filmes imperdíveis da Mostra são LIÇÕES DE HARMONIA e EM NOME DE…

A 37a. Mostra, com o melhor do cinema mundial, vos espera. Não fiquem como o grego, evocado.

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