A grave arte de presentear

Por Gianpaolo Dorigo, Professor do Anglo Vestibulares

Há algo de desagradável em alguns sorrisos natalinos, há que desconfiar de manifestações emotivas com data marcada. Não me refiro ao porteiro do prédio, ao entregador de jornal, enfim, ao trabalhador pessimamente remunerado que se agarra a qualquer possibilidade de ganho extra, nem que seja através da simpatia forçada. Como um dos iracundos de Gustav Doré, eles se agarram ao barco que atravessa o Estige, no canto VIII da Divina Comedia e sorriem para fugir da miséria. Refiro-me, sobretudo, à outra ponta, àqueles que não precisariam ostentar simpatia natalina, mas mesmo assim presenteiam panetones às dúzias. Penso naqueles que, da casa-grande, exibem seus sorrisos pegajosos por aí. Con piangere e con lutto, spirito maledetto ti rimani, ch’io ti conosco, ancor sie lordo tutto.

Dar presentes é uma arte grave. Sinto-me inclinado a propor uma “genealogia do presente”, não fosse esse título, por si só, carregado de ambigüidade metafísica. No Natal, a origem do hábito de presentear é bem conhecida. Lembremos da cena: três reis vindos de longe atravessam o deserto para encontrar o menino, não medindo esforços para lhe oferecer presentes. Disse o Venerável Beda (673-735): “Belchior era velho de setenta anos, de cabelos e barbas brancas, tendo partido de Ur, terra dos caldeus. Gaspar era moço, de vinte anos, robusto e partira de uma distante região montanhosa, perto do mar Cáspio. Baltazar era mouro, de barba cerrada e com quarenta anos, partira do Golfo Pérsico, na Arábia”. Seguindo uma estrela, rumaram para o Ocidente até chegarem à casa do menino.

Após a busca, a entrega: primeiro o adoraram e, em seguida, ofereceram à sua mãe os valiosos presentes que trouxeram, ouro, incenso e mirra.

A história toda remete à singularidade da situação: aquele que foi presenteado era considerado nada menos que o Salvador, jamais existiu ou existirá alguém como ele. O desejo de presentear era tão forte que levou à travessia de um deserto. Finalmente, seguindo a Bíblia (Mt, 2, 10; perdoem-me, por pior que seja a fonte não tenho outra), ao chegarem com os presentes, “os três reis alegraram-se com grande e intenso júbilo”. O ouro é uma referência à riqueza material; o incenso, diáfano e perfumado, à espiritualidade; a mirra, usada para embalsamar cadáveres, à imortalidade.

Que diferença gritante em relação às nossas trocas apressadas de fim de ano! Ou então, aos nossos afamados “amigos-secretos”, um tipo de celebração que se limita, muitas vezes, a um jogo que já não tem mais nada a ver com o ato de presentear. (Imagino os reis magos fazendo um amigo-secreto: só um deles tiraria o papelzinho com Jesus. Os outros trocariam presentes entre si e seria até bom se fizessem uma lista com o que gostariam de ganhar, para que ninguém passasse pelo constrangimento de dar ouro e ganhar mirra.)

A tradição aponta para o ato de presentear, conforme praticado pelos reis magos, como um ato sério, que gera felicidade para quem oferece. Percebemos, com a tradição, que aquilo que deveria ser exaltado com presentes é a singularidade do presenteado, o fato de que se trata de uma pessoa única que merece nossa dedicação. Atravessar um deserto só é possível se temos em mente a pessoa a ser presenteada, se ela é a estrela que conduz. Muito difícil é o ato de presentear, pois deveríamos oferecer ouro, incenso e mirra. Hoje, quase sempre, aplacamos a consciência dando ouro (ao preço de um panetone), mas deveríamos oferecer como presente verdadeiro nada menos que a dedicação espiritual e a imortalidade à pessoa presenteada.

Como incenso e mirra, deveríamos fazer com que o presente fosse um pedaço de nós, que pudesse ser levado junto, sempre. E a pessoa presenteada, por sua vez, só poderia ser a pessoa amada, a quem já adorássemos antes da entrega. Não deveríamos presentear qualquer um.

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