A diva fora da mídia

Cézar Veronese, Professor do CPV Vestibulares
Ela não tem automóvel. Mora num bairro bem periférico da Grande São Paulo. Não aparece jamais em qualquer coluna social. E nunca foi convidada para qualquer programa de auditório de ibope estrondoso, como Faustão ou Gugu. Suas músicas não tocam no rádio nem na televisão e pouca gente da geração mais jovem a conhece.
Ela é, no entanto, uma das maiores cantoras vivas do planeta. Estamos falando de Alaíde Costa, que na semana passada realizou dois shows comemorando os seus 60 anos de carreira. Ao lado de Johnny Alf, ela foi a verdadeira precursora da bossa nova, tendo gravado, por exemplo, “Lobo Bobo” antes do antológico álbum “Chega de Saudade”, de João Gilberto. A história, num ato de injustiça, relegou-a a um segundo plano, a exemplo de outros gênios da música popular brasileira, como o cantor Tom Zé.
Parceira de Alf, Vinícius e Tom Jobim, entre tantos outros, Alaíde Costa nunca fez concessões. As gravadoras, no início de sua carreira, insistiam que ela cantasse sambas. Ela até gravou alguns, mas sempre insistiu em composições sofisticadíssimas e de difícil interpretação. Que o leitor ouça obras-primas como “Azulão”, “Amor é Outra Liberdade” , “Te Quiero”, “Sem Você”ou seu clássico maior, “Onde Está Você?” Não por acaso Alaíde foi comparada por Oscar Peterson a Sara Vaughan.
Há sempre o problema da língua, aquela história que o português restringe a divulgação dos trabalhos musicais no exterior. É uma realidade inegável. Por outro lado, há as restrições dos críticos e jornalistas que elegem os melhores artistas e, acomodados, acabam frequentemente reproduzindo os nomes consagrados, sem se darem o trabalho de uma audição de artistas que gravam em línguas menos divulgadas. Se assim não fosse, o disco ALAÍDE COSTA & JOÃO CARLOS ASSIS BRASIL (1995) figuraria entre os maiores álbuns de todos os tempos.
Alaíde costuma se apresentar apenas em algumas casas noturnas de São Paulo, nas unidades do Sesc da Capital e, muito raramente, no Rio de Janeiro. Mas é frequentemente convidada para os grandes festivais de jazz na Europa.
Quem aparece “cantando” na mídia brasileira são as pagodeiras, as axezeiras, as bispas e as pastoras. Na literatura são os coelhos e os livros de autoajuda. Felizmente, sabemos que os artistas quase obscuros são os que ficam. A primeira edição de“Dom Casmurro” teve apenas dois mil exemplares, “Alguma Poesia”, de Drummond, 150 exemplares, “Estrela da Manhã”, de Bandeira, 80 exemplares. E quando Gal Costa, no início de sua carreira, se apresentou cantando “Índia”, no Tuca, havia apenas cerca de 30 pessoas na plateia!
Que a efeméride dos 60 anos de carreira de Alaíde seja um convite para as novas gerações descobrirem uma diva de voz inigualável.
Para ler outros textos do Prof. Veronese, acesse blog do CPV (link dicas culturais do verô)

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