A construção da representação dos candidatos pela mídia impressa

Pedro de Santi

No próximo domingo, todos sabemos, acontecerá o segundo turno das eleições presidenciais, assim como dos Estados que não tenham tido sua decisão no primeiro turno. Sabemos também que é a sétima eleição seguida, desde a redemocratização, em 1989. Cada eleição teve sua peculiaridade, em função do momento e dos participantes mas, naturalmente, vamos aprendendo e construindo algumas regularidades. Uma delas diz respeito ao tratamento que as diversas mídias dão aos candidatos.

A convite do Diretor Acadêmico da ESPM, Ismael Rocha Jr., eu e o colega professor João Carlos Gonçalves nos dedicamos a uma análise (psicanalítica e semiótica, respectivamente) do tratamento dado às representações dos principais candidatos à presidência em suas capas. Trabalhamos, no período de junho a setembro, com as capas dos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo; e as revistas Veja, Época e Istoé. Este trabalho só foi possível com a contribuição preciosa de nossa biblioteca, a cujos funcionários agradeço muito. Eles arquivaram digitalmente todo o material, que nos foi enviado semanalmente. O trabalho, aliás, se estenderá até o dia 27, com o resultado final já divulgado.

Neste estudo, optamos por perguntar “como” os candidatos são representados ao longo do tempo,  não entramos no mérito dos motivos, intenções ou verossimilhança das representações criadas por cada veículo. Deixamos as inferências para outro momento ou ao gosto do leitor.

Percebemos que os jornais e revistas não se restringem a representar objetivamente (o que quer que isto possa significar) o que ocorre, mas eles são atores importantes na construção da imagem pública dos candidatos, partidos e do próprio processo eleitoral. Este reconhecimento torna essencial à pluralidade de veículos e o cuidado contra o monopólio da informação: a simples existência da “concorrência” já impõe certo limite na possibilidade de se distorcer fortemente a informação. Mas parece impossível mensurar sua influência específica no resultado final. Talvez o episódio mais conhecido de intervenção decisiva da mídia tenha sido a famigerada edição do Jornal Nacional na véspera da eleição equilibradíssima de 1989, entre Collor e Lula.

Ao identificar as opções e direcionamentos de cada jornal e revista, também se evidencia que eles não são capazes de impor sozinhas suas orientações aos leitores. O processo é de retroalimentação, a mídia é um espelho ativo e o público não é uma massa passiva.

Sem querer antecipar os resultados, aproveito apenas para observar que há algumas regras básicas na disposição das imagens, segundo um certo equilíbrio na atribuição de espaço ou disposição em função das intenções de voto indicadas por pesquisas, Há muito interesse por candidatos em movimento de ascenção ou queda, é menor o interesse por situações estáveis.

Uma leitura psicanalítica não é, como pode pensar o senso comum, aquela que procura ler símbolos segundo um dicionário. Pelo contrário, a leitura psicanalítica busca por repetições e lapsos que contribuam para evidenciar um subtexto latente sob o texto: evidencia-se assim uma estrutura discursiva e um mundo de afetos ocultos à primeira vista. Podemos acompanhar efeitos de produção de sentido na sequência de capas e composições de imagem. Por exemplo, no fim de semana do primeiro turno, uma das revistas dizia algo como: “agora é a hora da escolha!”; na capa, uma charge mostrando os três melhor indicados na pesquisa Sentados em torno de uma mesa redonda, mas com um detalhe: um deles aparecia ao lado da chamada, enquanto os outros dois eram vistos quase que de cabeça para baixo, ao pé da imagem.

No dia a dia, vamos acompanhando os acontecimentos imediatos, mas quando retomamos as capas em sequência, podemos ver etapas razoavelmente discerníveis.

De junho ao meio de agosto, antes da campanha formal, tudo estava muito calmo e com uma liderança sólida e estável de Dilma. O índice de intenção de votos a ela pouco variou, se desprezamos as ondas que se sucederam. Em 13 de agosto, a ruptura produzida pela morte trágica de Eduardo Campos; a este momento se seguiu uma elevação de sua imagem e a ideia de que ele deixava um legado para Marina: não desistir do Brasil. Com o início formal da campanha, o primeiro debate e a divulgação das primeiras pesquisas com o novo quadro, Marina se tornou o centro de todas as atenções. As referências a Campos diminuíram e Marina se mostrou muito mais competitiva. O quadro se tornou instável e o governo passou a reagir, nervoso, acionou Lula, tentou afirmar uma agenda positiva e, passou a recorrer à estratégia de desconstruir Marina. Isto foi feito mostrando problemas reais em seu projeto, mas também com ataques que passaram a chamar a atenção. Rapidamente se cristalizou o conceito de que a campanha do PT é violenta. Marina ora se vitimizava, ora se igualava, posicionando-se nas denúncias cada vez mais graves em torno do aparelhamento da Petrobrás; este virou o ponto mais sensível de ataque ao governo do PT. Naquele momento, a polarização Dilma x Marina parecia definitiva e a mídia chegou a ignorar Aécio por algum tempo; ele realmente parecia carta fora do baralho. Aécio era representado regularmente ao lado de Dilma, contra Marina.

Com a “desconstrução” de Marina funcionando e a fragilidade (até física, nos debates) se evidenciando, as intenções de voto minguaram. Dilma recuperou alguns votos e Aécio só muito devagar recuperava votos. A onda Marina durou cerca de um mês.

Na proximidade do primeiro turno, a mídia certamente deu muita ênfase à possibilidade de Aécio assumir a segunda vaga. No fim de semana da eleição, isto foi ostensivo. E o resultado acabou sendo surpreendente, furando as tendências apontadas pelas pesquisas; inclusive as de boca de urna.

Em seguida, outra eleição. Turbinado pela virada e pelo apoio da mesma Marina e da família de Campos, Aécio apareceu em vantagem mínima nas novas pesquisas. Ele parecia estar em curva ascendente, mas a segunda leva de pesquisas mostrou estabilidade no empate técnico.

E os novos debates expressam o clima de indefinição, cisão e determinação de vencer. O recurso de desconstrução agressiva a Marina passou a ser usado pelos dois lados. O tom agressivo pareceu excessivo a todos. Tudo ecoando também o clima  das redes sociais.

Faltando só uma semana, o resultado final, segue imprevisível. Neste contexto, as representações criadas pela mídia a impactar os indecisos pode fazer muita diferença.

Nesta quarta-feira, 22 de outubro, às vésperas do segundo turno, apresentaremos o resultado desta pesquisa no Auditório Victor Civita, das 13:00 às 15:00 hs. Em seguida, o Diretório Acadêmico conduzirá um debate sobre as eleições.

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