A batalha das narrativas. O verde e o amarelo versus o vermelho.

Pedro de Santi

Entre tantas dimensões do debate político que vivemos, está muito difícil fazer análises abrangentes. Há uma luta intensa pela imposição de narrativas: qual das versões prevalecerá na opinião pública nacional e internacional? E ao longo de nossa história?

Neste texto, puxo um pequeno fio da trama. Pequeno mas expressivo.

Refiro-me às cores adotadas pelas manifestações de apoio e repúdio ao governo. Aqueles que apoiam o governo têm usado o vermelho e os que pleiteiam o impeachment têm usado o verde e o amarelo.

Para dizer de uma vez: parece-me que, nesta dimensão, o governo perde feio a batalha no campo da comunicação.

Muitos dizem que o uso do verde e amarelo tem tido uma conotação de referência aos tempos da ditadura; ao nacionalismo com tempero fascista da época da conquista da copa do mundo, em 1970. Há ainda quem diga ter aversão ao ‘verde e amarelo’ associado à seleção brasileira de futebol, envolvida num mar de corrupção da FIFA.
Mas o uso do verde amarelo remete mais proximamente às conquistas democráticas. O ‘verde e amarelo’ talvez ainda possa estar associado ao nacionalismo da ditadura- com seu famigerado adesivo: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, que remetia à tortura, ao assassinato e ao exílio. Mas, desde a luta pelas eleições diretas em 1984 e o apoio à eleição de Tancredo Neves na última eleição indireta, em 1985, ‘verde e amarelo’ ganhou sua associação com a democracia.

Sobretudo, lembremo-nos do processo de impeachment do Collor em 1992. Incialmente, quando ele foi descoberto em suas maracutaias, disse que lutaria “duela a quem duela” (sic) e conclamou a população a sair de verde e amarelo em apoio ao presidente democraticamente eleito. Num primeiro momento, passamos a sair de preto para indicar nosso repúdio a ele; mas, em pouco tempo, as ruas foram tomadas pelos “cara pintada”, que trouxeram as cores da bandeira para si, o que desaguou num impeachment dentro da democracia.
Com relação ao vermelho, todos sabem que ele simboliza a esquerda política e, especificamente, o PT. O partido conquistou, ao longo do tempo, sólidos 25% de eleitores pelo país. Mas, num modelo em que é preciso ter maioria absoluta dos votos para a eleição num cargo executivo, as candidaturas precisam de bem mais do que dos votos já fiéis. Para que o velho medo do vermelho comunista fosse driblado, ele foi sendo relativamente reduzido nas peças de comunicação do PT, até se reduzir muitas vezes a um broche no formato de estrela. Assim, grupos mais abrangentes da população passaram a depositar suas esperanças e votos no partido, em especial na figura de Lula.

Quando chegamos ao conflito atual, é como se estivéssemos assistindo a uma regressão que ignora 40 anos de história e, sobretudo, parece ignorar que há 13 anos os PT está no poder federal e que há menos de um ano e meio a presidente foi eleita pela maioria da população votante.

Não sei se poderia haver uma luta pelo patrimônio simbólico das cores de nossa bandeira, mas quando os que apoiam o governo adotam o vermelho e “deixam” o verde amarelo para a oposição, já há uma derrota simbólica e um recuo àquela velha proporção de 25% de apoio ao PT. Um para quatro é aproximadamente a proporção estimada entre o tamanho das manifestações pró e contra o governo, afinal. Com isto, vastas porções da população que votaram na presidente há pouco tempo não são incluídas no movimento.
Em outra via, alguns passam a sair de branco em ambas as passeatas, sinalizando aderir com reservas e senso crítico a cada uma e, sobretudo, lutarem pela democracia. Enquanto outros, profundamente equivocados e perigosos, reduzem a dimensão simbólica à real e agridem quem porte as cores do outro lado.

Todas as forças devem ter o direito de se exercer no campo democrático e seria tolo esperar que não o fizessem: mas quem piscar primeiro (ou seja, partir para a porrada), perde a razão na batalha narrativa.

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